15 de fevereiro de 2010

ARQUITETURA E DOR



É possível dizer, no fim, que a desconfiança com relação à arquitetura gira em torno da modéstia das alegações que podem ser feitas realisticamente a seu favor. A reverência por construções belas não parece uma grande aspiração onde devemos depositar nossas esperanças de felicidade, pelo menos quando comparada com os resultados associados ao desatar de um nó científico, a se apaixonar, a acumular uma fortuna ou a deflagrar uma revolução. Dar uma profunda importância a um campo que tem tão poucos resultados e, no entanto, consome tantos de nossos recursos, nos força a reconhecer uma inquietude e até degradante falta de aspiração.

Por sua ineficácia, a arquitetura tem a mesma insignificância da jardinagem: o interesse por maçanetas de porta ou cornijas nos tetos pode parecer tão ridículo quanto a preocupação com o desenvolvimento de moitas de roseiras ou de lavandas.É perdoável concluir que existem causas mais grandiosas a que os serem humanos deveriam se dedicar.
Entretanto, depois de nos defrontarmos com algumas das contrariedades mais graves que atormentam a vida emocional e política, podemos muito bem chegar a uma avaliação mais caridosa da importância das coisas belas - ilhas de perfeição onde é possível ouvir o eco de um ideal que um dia tivemos esperanças de desejar de forma permanente.
A vida talvez tenha de se mostrar para nós em algumas das suas cores autenticamente trágicas antes que possamos começar a reagir visualmente como se deve às suas ofertas mais sutis, seja uma tapeçaria ou uma coluna coríntia, uma telha de ardósia ou uma lâmpada. Não são os jovens casais apaixonados que tendem a parar para admirar uma parede de tijolos castigada pelo tempo ou uma balaustrada que desce para um saguão, sendo o descaso por essa beleza circunscrita um colorário da crença otimista na possibilidade de se alcançar uma variedade mais visceral e definitiva de felicidade.

Talvez precisemos ter deixado uma marca indelével em nossas vidas, ter casado com a pessoa errada, perseguido uma carreira insatisfatória até a meia idade ou perdido um ente amado antes que a arquitetura comece a ter qualquer impacto perceptível em nós.
Pois quando falamos de nos "comover" diante de uma edificação, estamos aludindo a uma sensação agridoce de contraste entre as qualidades nobres gravadas numa estrutura e a realidade mais ampla e triste dentro da qual sabemos que elas existem.
Ficamos com um nó na garganta, à visão do belo por um conhecimento implícito de que a felicidade que ele sugere é a exceção.

Nas suas memórias, o teólogo alemão Paul Tillich diz que a arte não o sensibilizava quando era um rapaz mimado e sem preocupações, apesar de todos os esforços pedagógicos de seus pais e professores. Mas aí estourou a primeira Guerra Mundial, ele foi convocado e, num período de licença do seu batalhão,(três quartos do seu contingente morreriam no conflito), ele se viu no Kaiser Friedrich Museum, em Berlim, durante uma chuvarada. Ali, numa pequena galeria superior, ele se deparou com Madona e criança com oito anjos cantores , de Sandro Botticelli, e, ao encontrar com o olhar sábio, frágil, piedoso da Virgem, surpreendeu-se ao começar a soluçar descontroladamente.

Ele experimentou o que descreveu como um momento de "êxtase revelador" , as lágrimas transbordando dos seus olhos diante do contraste entre a atmosfera excepcionamente terna do quadro e as lições bárbaras que tinha aprendido nas trincheiras.

É no diálogo com a dor que muitas coisas belas adquirem o seu valor. A familiaridade com o sofrimento acaba sendo um dos pré-requisitos mais insólitos para a apreciação arquitetônica. Talvez, muito além de todas as outras exigências, tenhamos de estar um pouco tristes para que os prédios possam nos emocionar de verdade.


Trecho do livro Arquitura da Felicidade,
Alain de Botton.

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Isso é lindo !!!!
Pura filosofia....

11:29 PM  

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