31 de dezembro de 2006

TAVERNA



Bem sei que, olhando pra minha cara,
pra minha boca, triste e incoerente,
pros gestos vagos de sombria incerta
que hoje sou eu,
minha loucura se faz tão clara,
minha desgraça tão evidente,
minha alma toda tão descoberta,
que pensam: ¨Este, não bebeu...¨

Passei a noite, passei o dia
de cotovelos firmes na mesa,
de olhos sobre o vinho perdidos,
a testa pulsando na mão:
e muros de melancolia
subiam pela sala acesa,
inutilizando os gemidos,
mas quebrando-me o coração.

Deixei o copo no mesmo nível:
bebida imóvel, espelho atento,
onde - só eu - vi desabrochares,
rosto amargo de amor!
Vim da taverna ébrio de impossível,
pisando sonhos, beijando o vento,
falando às pedras, agarrando os ares...
- Oh! deixem-me ir para onde eu for! ...


Cecília Meireles.

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