26 de novembro de 2006

FRAGMENTO DE UM CANTO EM CORDAS DE BRONZE



Deixai que o pranto esse palor me queime,

Deixai que as fibras que estalaram dores

Desse maldito coração me vibrem

A canção dos meus últimos amores!

Da delirante embriaguez de bardo

Sonhos em que afoguei o ardor da vida,

Ardente orvalhos de febris pranteios,

Que lucro à alma descrida?

Deixai que chore pois. -

Nem loucas venham

Consolações a importunar-me as dores:

Quero a sós murmurá-la à noite escura

A canção dos meus últimos amores!

Da ventania às rápidas lufadas

A vida maldirei em meu tormento -

Que é falsa, como em prostitutos lábios

Um ósculo visguento. Escárnio!

Para essa muitas virgens

Como flores - românticas e belas -

Mas que no seio o coração tem árido,

Insensível e estúpido como elas!

Que agreste vibrar, ruja-me as cordas

Mais selvagens desta harpa - quero acentos

De áspero som como o ranger dos mastros

Na orquestra dos ventos!

Corre feio o trovão nos céus bramindo;

Vão torvos do relâmpago os livores:

Quero às rajadas do tufão gemê-la,

A canção dos meus últimos amores!

Vem, pois, meu fulvo cão! ergue-te, asinha,

Meu derradeiro e solitário amigo! -

Quero me ir embrenhar pelos desvios

Da serra - ao desabrigo...



Álvares de Azevedo.


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