21 de agosto de 2006

VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA



Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei um burro brabo
Subirei do pau de sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.


Manuel Bandeira.

O FIM DA SOLIDÃO



A borboleta amarela e preta
Se agitava, dançava, tremia
Em torno do ser esguio, mortificado
Pelo frio do mundo.

Era já na hora indecisa, mas um sol
Retardatário manchava de ouro o chão sombrio.

Revejo a face escura e pálida
Manchada pelo líquen, pelo pó
Das velhas folhas.

Revejo o olhar inocente e duro
Subitamente surpreendido pela ternura,
O olhar prisioneiro do tempo cruel,
Tocado pelo amor, animado pelo espanto do amor,
O olhar de fugitivo do abandonado,
De repente vencido pela certeza de que
Findara sua longa solidão.


Augusto Frederico Schimidt.

A RUA DOS CATAVENTOS - XVII

Da vez primeira em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha...
Depois, de cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha...

E hoje, dos meus cadáveres, eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada...
Arde um toco de vela, amarelada...
Como o único bem que me ficou!

Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!
Ah! desta mão, avaramente adunca,
Ninguém há de arrancar-me a luz sagrada!

Aves da Noite! Asas do Horror! Voejai!
Que a luz, trêmula e triste como um ai,
A luz do morto não se apaga nunca!



Mario Quintana.