27 de dezembro de 2006

AUSÊNCIA



Por muito tempo achei que ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba de mim.


Carlos Drummond de Andrade.

ESTA IMPACIÊNCIA QUE ME DIVIDE



Esta impaciência que me divide
esta melancolia que me entontece
este desejo pungente de estar um pouco em toda parte
esta incapacidade de aquietar-me
este sonho de ser, de ser depressa, ates da morte
de ser o quê?
de concluir que destino longamente esperado,
entrevisto na bruma de dias não vividos,
no sonho de noites calmamente extintas?
- de ser extritamente o servidor adequado,
o mensageiro que entrega a mensagem no exato instante
o servidor que dá conta de seu trabalho no prazo certo
o que houve o chamado e vai,
recebe as ordens e cumpre,
e dá todos os dias de seu tempo humano
para esse fim obscuro,
e está continuamente correndo por dentro de si,
em varandas, passadiços, subterrâneos,
apenas entrevendo em adeuses a estrela que ama,
o pássaro que comove,
a extensão da terra iluminada, do mar imenso
por onde, entre suas tarefas,
suspiro, saudade, esperança, obediência, renúncia,
em pensamentos foge,
em pensamentos volta,
subitamente enfermo da culpa
de assim fugir,
de assim voltar.


Cecília Meireles.