A MORTE MELANCÓLICA DO RAPAZ OSTRA

Nas dunas, pediu-lhe em casamento,
à beira mar se casaram.
Na ilha de Capri celebraram
esse tão grande momento.
À ceia jantaram um prato bem cheio
uma bela caldeirada de peixe e marisco.
E, enquanto ele saboreava o petisco,
no seu coração ela pediu um desejo.
O seu desejo tornou-se realidade: teve um bebê.
Mas seria um ser humano?
Pois é,
na verdade,
tinha dez dedos nos pés e nas mãos,
tinha visão e circulação.
Podia ouvir, podia sentir,
mas seria normal?
Isso não.
Este nascimento aberrante, este cancro, esta praga
foi o princípio e o fim de toda uma saga.
Ela zangou-se com o doutor:
"Esta criança não é minha.
Cheira a maresia, a salmoura e a tainha."
"Olhe que têm sorte, ainda a semana passada
tratei de uma menina com crista e rabo de pescada.
Se o seu filho é meio ostra
não me venha acusar...
...já pensou por acaso
numa casinha à beira-mar?"
Sem saber como lhe chamar,
chamaram-lhe Alves,
ou, às vezes,
"aquela coisa da espécie dos bivalves."
Toda a gente se perguntava, mas ninguém sabia
quando é que da concha o Rapaz, Ostra saía.
Quando os quatro gêmeos Lopes um dia o foram ver,
chamaram-lhe amêijoa, e desataram a correr.
Num dia azarado,
Alves ficou encharcado
à esquina da rua Miramar.
Cabisbaixo,
viu a chuva rodopiar
pela sarjeta abaixo.
Na auto-estrada, a sua mãe,
à beira de um esgotamento,
esmurrava o painel dos instrumentos -
não conseguia conter
a dor crescente,
a frustração
que a fazia sofrer.
"Olha querido",disse ela,
"isto não é para ser piada,
mas eu já não pesco nada
e acho que é por causa do nosso filho.
Não gosto de te dizer, pois sou a mulher que te ama,
mas tu culpas o nosso filho pelos teus problemas na cama."
Ele bem que se aplicou, com muito ímpeto;
tentou curas e unguentos
que lhe causavam comichões,
tintura de iodo,
magias e poções.
Coçou-se e sangrou e esfolou-se todo.
Até que o médico diagnosticou:
"Eu não sei de ciência,
mas a cura do seu problema pode ser o que o causou.
Dizem que comer ostras aumenta a potência:
talvez se comer a criança
fique cheio de pujança."
Ele foi pela calada,
estava escuro como breu.
Tinha a testa suada
e nos lábios - uma mentira ensaiada:
"Filho, você é feliz? Não quero me intrometer,
mas nunca sonhas com o Céu?
Nunca quiseste morrer?"
Alves pestanejou duas vezes
mas não exitou.
O pai tateou o punhal
e a sua gravata aliviou.
Pegando o filho no colo,
Alves molhou a lapela.
Levando a concha aos lábios,
despejou-o pela goela.
Depressa o enterraram na areia junto ao mar
- uma prece rezaram, uma lágrima derramaram -
e para casa voltaram à hora do jantar.
A sina do Rapaz Ostra foi marcada com uma cruz;
Palavras escritas na areia
prometiam a salvação de Jesus.
Mas a sua memória perdeu-se numa onda de maré cheia.
De volta à paz do lar,
ele beijou-a a arfar:
"Que tal uma rapidinha?"
"Mas desta vez", sussurrou ela,"quero uma menininha,"
Timothy William Burton (Tim Burton).