15 de abril de 2008

A MORTE MELANCÓLICA DO RAPAZ OSTRA



Nas dunas, pediu-lhe em casamento,
à beira mar se casaram.
Na ilha de Capri celebraram
esse tão grande momento.

À ceia jantaram um prato bem cheio
uma bela caldeirada de peixe e marisco.
E, enquanto ele saboreava o petisco,
no seu coração ela pediu um desejo.

O seu desejo tornou-se realidade: teve um bebê.
Mas seria um ser humano?
Pois é,
na verdade,

tinha dez dedos nos pés e nas mãos,
tinha visão e circulação.
Podia ouvir, podia sentir,
mas seria normal?
Isso não.

Este nascimento aberrante, este cancro, esta praga
foi o princípio e o fim de toda uma saga.

Ela zangou-se com o doutor:
"Esta criança não é minha.
Cheira a maresia, a salmoura e a tainha."

"Olhe que têm sorte, ainda a semana passada
tratei de uma menina com crista e rabo de pescada.
Se o seu filho é meio ostra
não me venha acusar...
...já pensou por acaso
numa casinha à beira-mar?"

Sem saber como lhe chamar,
chamaram-lhe Alves,
ou, às vezes,
"aquela coisa da espécie dos bivalves."

Toda a gente se perguntava, mas ninguém sabia
quando é que da concha o Rapaz, Ostra saía.

Quando os quatro gêmeos Lopes um dia o foram ver,
chamaram-lhe amêijoa, e desataram a correr.

Num dia azarado,
Alves ficou encharcado
à esquina da rua Miramar.
Cabisbaixo,
viu a chuva rodopiar
pela sarjeta abaixo.
Na auto-estrada, a sua mãe,

à beira de um esgotamento,
esmurrava o painel dos instrumentos -
não conseguia conter
a dor crescente,
a frustração
que a fazia sofrer.

"Olha querido",disse ela,
"isto não é para ser piada,
mas eu já não pesco nada
e acho que é por causa do nosso filho.
Não gosto de te dizer, pois sou a mulher que te ama,
mas tu culpas o nosso filho pelos teus problemas na cama."

Ele bem que se aplicou, com muito ímpeto;
tentou curas e unguentos
que lhe causavam comichões,
tintura de iodo,
magias e poções.
Coçou-se e sangrou e esfolou-se todo.

Até que o médico diagnosticou:
"Eu não sei de ciência,
mas a cura do seu problema pode ser o que o causou.
Dizem que comer ostras aumenta a potência:
talvez se comer a criança
fique cheio de pujança."

Ele foi pela calada,
estava escuro como breu.
Tinha a testa suada
e nos lábios - uma mentira ensaiada:
"Filho, você é feliz? Não quero me intrometer,
mas nunca sonhas com o Céu?
Nunca quiseste morrer?"

Alves pestanejou duas vezes
mas não exitou.
O pai tateou o punhal
e a sua gravata aliviou.

Pegando o filho no colo,
Alves molhou a lapela.
Levando a concha aos lábios,
despejou-o pela goela.

Depressa o enterraram na areia junto ao mar
- uma prece rezaram, uma lágrima derramaram -
e para casa voltaram à hora do jantar.

A sina do Rapaz Ostra foi marcada com uma cruz;
Palavras escritas na areia
prometiam a salvação de Jesus.

Mas a sua memória perdeu-se numa onda de maré cheia.

De volta à paz do lar,
ele beijou-a a arfar:
"Que tal uma rapidinha?"

"Mas desta vez", sussurrou ela,"quero uma menininha,"


Timothy William Burton (Tim Burton).

ROY, O RAPAZ PESTICIDA



Chamávamos-lhe Roy,
nós que sabíamos da sua vida.
Por outros era conhecido
como o Rapaz Pesticida.

Gostava de amianto e amoníaco,
e muito fumo de cigarro.
Só de o seu ar inspirar
daria para sufocar!

O seu brinquedo preferido
era laquê de cabeleireiro;
sentava-se calmamente
vaporizando o dia inteiro.

Nas manhãs de geada,
metia-se na garagem
e escondia-se lá atrás,
à espera que arrancasse o carro
com uma lufada de gás.

Quando Roy se pôs a brincar
com cloreto de sódio,
foi a única vez na vida
que o vi chorar.

Um dia puseram-no no jardim
para apanhar ar puro.

Roy ficou branco como cal
e completamente duro.

O último suspiro da sua vida
foi penoso para o pesticida.
Quem diria que se morria
por causa da luz do dia?

A alma de Roy voou para o céu
deixando o corpo ao abandono.
E todos rezamos em silêncio
quando o vimos furar o ozônio.


Timothy William Burton (Tim Burton).

O RAPAZ MÚMIA



Não era róseo e suave
com um umbigo arredondado;
era rijo e todo oco,
um rapaz, mumificado.

"Diga-nos Doutor, por favor,
o que é que está na base
do nosso rebento de amor
ser um novelo de gaze?"

"A resposta à vossa pergunta
jaz, sepultada no pó:
o vosso filho é o resultado
da praga de um faraó."

Marido e mulher discutiram
aquela situação ilógica,
chamando-lhe "enjeitado
de uma expedição arqueológica."

Pensaram numa explicação
científica e cabal,
mas concluíram que não passava
de reencarnação sobrenatural.

Com os outros garotos
só brincou duas vezes:
de um antigo ritual
de sacrifício virginal.
(Mas os pequenos fugiram chamando-lhe de anormal.)

Sozinho e rejeitado,
o Rapaz Múmia chorou
e depois, esfomeado,
na cozinha entrou.

Limpou os olhos molhados com as mangas mumificadas
e sentou-se frente a uma taça de folhas secas cristalizadas.

Num dia escuro e sombrio,
surgido do nevoeiro,
apareceu-lhe um cachorro múmia
por demais festeiro.

Tratou o bicho de estimação
com muita amabilidade.
Construiu-lhe uma casinha
digna da Antiguidade.

Já ficara escuro,
estava o dia no fim;
o Rapaz Múmia levou o cão
pra passear no jardim.

O jardim estava vazio,
sem contar com um esquilo
e um grupo de mexicanos
numa grande festa de anos.

Os meninos e as meninas corriam num tropel,
mas repararam naquela coisa, tipo pasta de papel.

"Olhem, é uma piñata",
disseram todos contentes
"vamos rachá-la ao meio
para vermos os presentes."

Pegaram num bastão
para lhe abrir a cabeça.
O Rapaz Múmia caiu
enfim, morto no chão.

Dentro de sua cabeça
não havia doces nem presentes;
só umas quantas baratas
de tamanhos diferentes.


Timothy William Burton (Tim Burton).