12 de novembro de 2006

O HORÓSCOPO



Agonizava o Sol em síncopes... Eu ia
Triste, triste, evocando
Sobre o cancro que rói minha alma doentia
O horóscopo nefando.
Ia crescendo em torno a solidão, e espessas
As sombras se tornavam;
De uma população de espectros as cabeças
No escuro se agitavam.
Sibilava-me em roda aspérrima rajada.
De enxofre sufocante...
E era uma estrada imensa a pavorosa estrada,
Que eu seguia, arquejante;
Bordavam-na espetrais rochedos, e, em fileiras,
As árvores se erguiam...
Noctâmbulas legiões de coisas agoureiras
Nas trevas se moviam:
E eu, aflito e a pensar nessa fatal doença,
Que rói-me, ia convulso...
Batiam-me febris na pirexia intensa
As têmporas e o pulso;
Um gelado suor lavava-me copioso
A fronte... De repente
Um fantasma surgiu medonho e pavoroso
Na estrada, em minha frente,
E disse-me com voz cava, funérea e dura:
"O mal que hoje te afeta
É a mesma moléstia horrível e sem cura
De que eu morri, poeta..."


Maurice Rollinat.

ALÉM ALMA (UMA GRAMA DEPOIS)


Meu coração lá de longe
faz sinal que quer voltar.
Já no peito trago em bronze:
NÃO TEM VAGA NEM LUGAR.
Pra que me serve um negócio
que não cessa de bater?
Mais me parece um relógio
que acaba de enlouquecer.
Pra que é que eu quero quem chora,
se estou tão bem assim,
e o vazio que vai lá fora
cai macio dentro de mim?
.
.
.
Paulo Leminski.
.
.

FORMAS DE ABENÇOAR



Fique aqui mesmo, morra antes
de mim, mas não vá para o mundo.
Repito: não vá para o mundo,
que o mundo tem gente, meu filho.

Por mais calado que você
seja, será crucificado.
Por mais sozinho que você
seja, será crucificado.

Há uma mentira por aí
chamada infância, você tem?
Mesmo sem a ter, vai pagar
essa viagem que não fez.

Grande, muito grande é a força
desta noite que vem de longe.
Somos treva, a vida é apenas
puro lampejo do carvão.

No início, todos o perdoam,
esperando que você cresça,
esperando que você cresça
para nunca mais perdoá-lo.



Alberto da Cunha Melo.