3 de dezembro de 2006

O IOGUE E O DRAGÃO



Estava o Dragão, tranquilo,
Pousado em satisfação.
Respirava o fogo celeste.
O tempo, pare ele, nao
Contava.

Sentou-se um iogue a seu lado
E pôs-se em meditação,
Mas sua alma pulava
E incomodava o Dragão.

Este olhou para o iogue
Com profunda compreensão,
E reduziu-o a cinzas.

O iogue era o Dragão.


Roberto Marinho de Azevedo.

RETRATO



Ele era da raça dos que suportam
Todo o peso da vida,
Era da raça dos que não se queixam
Dos que sorriem diante do destino adverso.

Viveu em silêncio grandes horas amargas
E ninguém conheceu as devastações,
O efeito dos golpes que lhe foram vibrados.

As suas ruínas, os seus deuses mutilados,
Os túmulos que estavam nele
Ninguém desvendou,
Tudo ficou escondido,
Tudo ficou defendido
Pela sua máscara tranquila.

No entanto ninguém amou
Mais profundamente do que ele amou,
E ninguém terá recolhido maior melancolia
E maior incompreensão
Do amor.
Ninguém desejou mais a companhia dos seus semelhantes,
Ninguém teve mais necessidade do calor amigo,
Do apoio, do aplauso, da solidariedade humana.
No entanto - sua vida se consumiu na solidão, no desamparo e na indiferença.

A amargura não fermentou sua alma,
O ressentimento não dominou jamais sua visão simples das coisas,
Ele era da raça dos heróis obscuros.


Augusto Frederico Schmidt.

O USO DAS PALAVRAS OBSCENAS



Desmedido eu que vivo com medida
Amigos, deixai-me que vos explique
Com grosseiras palavras vos fustigue
Como se aos milhares fossem nesta vida!

Há palavras que a foder dão euforia:
Para o fodidor, foda é palavra louca
E se a palavra traz sempre na boca
Qualquer colchão furado o alivia.

O puro fodilhão é de enforcar!
Se ela o der até se esvaziar: bem.
Maré não lava o que a arvore retém!

Só não façam lavagem ao juizo!
Do homem a arte é: foder e pensar.
(Mas o luxo do homem é: o riso).


Bertold Brecht.

CARNAVAL MITOLÓGICO



Pulam, muito alegremente,
Os tritões e os bacorinhos.
Na frente, saltitam os golfinhos
E as marmotas rolam, dormentes.
Sete bispos, sete meirinhos
E setenta judeus dolentes
Fecham a procissão, com tridentes
Espetando o cu dos anjinhos.

Lourenço, Baco e Agostinho
Seguem pelo meio, contentes,
Entre pedintes e espinhos,
Rocinantes e excelentes.

Brilhando em cima, de mansinho,
Cavalga o sol, resplandecente,
Em um cavalo cor de vinho,
Babando nuvens no poente.


Roberto Marinho de Azevedo.