20 de fevereiro de 2010

PAIS PROFISSIONAIS, FILHOS ESPECIALISTAS



Ter filhos. A sentença anterior me faz suspirar. Nestas duas palavras há um universo interminável de contextos, abordagens, aspectos... Quando nos tornamos pais e mães, percebemos que aquele pedacinho da gente, trouxe com ele um mundo infinito de possibilidades e só então nos damos conta do tamanho da responsabilidade e da empreitada à qual nos propusemos.

Vi, certa vez, no jornal local da minha cidade, a foto de uma moradora de rua que pariu um filho na calçada, essa mãe já tinha outros três filhos, dois, nascidos nas mesmas condições. Essa lembrança me remeteu à outra matéria que li em uma revista semanal, sobre uma mulher de 52 anos que conseguiu ter um filho depois de certa terapêutica e de uma recusa de doação de sêmen pelo ex-marido, o que a fez recorrer ao banco de esperma. Como será o futuro desses dois bebês, vindos ao mundo de forma tão peculiar? Provavelmente, peculiar, você pensaria. Então será que a vida de nossos filhos trazidos ao mundo de forma, mais “normal”, será garantidamente “normal’?

Os pais trabalham, põem os filhos na escola, levam ao shopping, cinema, compram brinquedos, colocam na cama no fim do dia. No açodamento do dia a dia, fazem o melhor que podem, sabemos. Estamos sempre preocupados com o pouco tempo e com a quantidade de informações que precisamos passar aos nossos filhos. Parece que não vai dar. O tempo voa e logo eles têm que decidir a profissão, escolher com quem vão se casar, e construir o próprio patrimônio.

Certo, e a escola está aí para isso. Errado. As brincadeirinhas da pré-escola, a teoria do ensino fundamental e médio e a grade dos cursos universitários não preparam o jovem para a vida como ela é. A família é quem pode fazê-lo. Diz-se que a educação começa em casa, mais que isso, quando um filho nasce temos em nossas mãos uma rosada massinha de modelar, que vai se moldando a partir dos estímulos que recebe ou não recebe. Experimente deixar uma dessas massinhas escolares em cima de uma mesa, por exemplo, por um mês. Ela vai continuar do mesmo jeito, conservando o seu formato inicial, pior ainda, vai ficar cheia de fungos e bolores, possivelmente se cristalizará e ao menor toque vai se quebrar inteira.

Pronto. É isso o que acontece quando deixamos nossos filhos crescerem feito capim. É necessário que adicionemos continuamente conteúdos ao seu desenvolvimento, e não somente o dizer “obrigado”, ”por favor,” e “com licença”. Educar e formar um futuro homem ou mulher consiste em prepará-lo para a vida em constante mutação, ensinar a olhar criticamente, ponderando os valores existentes, construindo assim sua individualidade. É instruir o filho nos aspectos emocional, espiritual, cultural, financeiro, comportamental, legal, ético, profissional, global e pessoal. Formar um cidadão completo e bem trabalhado em sua essência facilitará o seu aprendizado futuro e ampliará sua capacidade de discernimento e adaptação.

Muitos profissionais talentosos saem com ótimas notas da faculdade, sabem tudo sobre a profissão, mas não sabem trabalhar, pois não estão acostumados com a rotina e a problemática de uma empresa. Outros conseguem trabalhar, mas não têm inteligência financeira e não prosperam. Alguns têm dificuldades quanto ao seu quociente emocional. Esses códigos sociais precisam ser introduzidos ainda na infância para que no futuro o jovem possa lidar com problemas do cotidiano de forma natural e não se sintam esmagados pelo peso das vicissitudes.

Elaborar bem um ser humano não é coisa fácil, porque não sabemos nem se nós mesmos fomos bem elaborados, mas podemos apreender sempre conteúdos novos que não trazemos de berço com a vida e tentar passar o melhor da gente aos nossos filhos. Temos que encarar a nossa missão de pais e formadores com todo o profissionalismo e dedicação que aplicamos em nossos trabalhos, pois os filhos não herdam somente o patrimônio de riquezas ou dívidas dos pais, mas herdam também o capital intelectual e emocional ao que tiveram acesso na formação de suas bases.


Liliam Bölner.

QUE HERDAMOS DA FAMÍLIA?



Seguramente não só cadeias do DNA – que as vezes pouco se diferenciam dos outros animais vivos -, tampouco podemos responder que se trata somente dos bens ou dívidas. Então, que herdamos da família além de uma mensagem genética que é unívoca e inequívoca? Herdamos no melhor dos casos uma língua que é fundamentalmente equívoca o que nos faz habitar, por sermos falantes, no mal-entendido estrutural.

É este dom que herdamos e do qual precisamos apropriar-nos, o que nos humaniza, o que nos civiliza, o que nos possibilita ser cidadãos pelos laços de discurso que estabelecemos com os outros. Isto é o que está capenga, o que está mancando cada vez mais nos dias de hoje, onde a queixa que escutamos de pais e de filhos, de professores e alunos é a incapacidade de conversar entre eles.

Um filho não só está feito de carne, também de palavras e de letras, nesse sentido a criança é primeiramente um objeto caído do corpo materno, é também um sujeito por vir.

Proliferam os objetos com os quais as pessoas se ocupam e se satisfazem em detrimento das relações com amigos, colegas de profissão, parentes, e outros. Não podemos negar que este é um processo que vemos acelerar-se, nas grandes cidades principalmente, fomentando o individualismo próprio de nossa época.

As famílias hoje estão constituídas com diferentes personagens em relação às famílias de 50 anos atrás, porém, há algo estrutural que se mantém, lugares e funções que a língua que falamos cria. Pai, mãe, filhos, irmãos, continuam a ser os lugares nos quais os humanos nos alocamos segundo seja o nosso dizer. Este grupo reduzido que compõe a família moderna mostra uma estrutura profundamente complexa condicionada por fatores culturais.

O caráter que especifica a ordem humana é a subversão do instinto a partir da qual surgem as formas fundamentais da cultura que são plenas de infinitas variantes. Hoje a ciência tem multiplicado as mães e os pais. Temos a mãe que aporta o ventre, a mãe gestante, uterina, ginecológica ou portadora. A mulher que aporta os óvulos será a mãe genética ou biológica. Temos também a mãe social ou de criação ou do amor em casos de adoção, mais nada disto diz do desejo de um filho. Nós humanos nascemos numa família – quando desejados – que nos transmite a língua que falamos, chamada de língua materna, quer dizer que em primeiro lugar herdamos a língua que nos acolhe no mundo.

Portanto, nascemos à grande família humana quando falamos, sendo, então, a língua a morada do homem, parafraseando ao poeta Hölderling.

Para o discurso da psicanálise que inaugura Lacan, o inconsciente está estruturado como uma linguagem. Ou seja que os sintomas que produzimos são a manifestação do nosso dizer, da nossa maneira de inserir-nos na língua que falamos, são a conseqüência do discurso que praticamos sem saber, o discurso do inconsciente. E quando digo discurso quero assinalar que o discurso do inconsciente é o discurso do Amo que Lacan toma em relação à dialética do Amo (1) e do Escravo que Hegel desenvolve no capítulo 4 (A certeza de si mesmo) da "Fenomenologia do Espírito". Este discurso situa ao homem numa luta a morte pelo reconhecimento do Outro. Nesta luta por puro prestigio quem se submete para não morrer é o Escravo reconhecendo no Outro um Amo. Isto o anula em seu desejo e o transforma num objeto, numa coisa a serviço do Amo, o "cosifica". Porém, o Amo se encontra num paradoxo: é reconhecido como Amo por alguém a quem ele não considera. O Amo, por não poder reconhecer ao Outro que o reconhece (o Escravo), encontra-se num beco sem saída. O Escravo, pelo contrário, reconhece desde o príncipio ao Outro (o Amo). Será suficiente impor-se a ele, fazer-se reconhecer por ele para que se estabeleça o reconhecimento mútuo e recíproco, que só pode realizar e satisfazer ao homem plena e definitivamente, segundo Hegel.

Com este discurso Hegel lhe atribui ao Amo antigo o usufruto ou gozo do trabalho do Escravo o que em Marx será chamado de mais-valia. O que Lacan modifica tem a ver com as conseqüências do gozo que lhe atribui ao Escravo que ocupa esse lugar dialético onde se "cosifica". Nesse processo dialético o saber lhe corresponde ao Escravo e está articulado (o saber) com o gozo do Outro. Este Outro, que não existe, é o produto da articulação lógica entre os significantes que lhe dão existência como campo da linguagem. Nesse campo do Outro, campo da linguagem no qual nos inscrevemos os humanos mostramos a nossa debilidade que é proporcional à sede de sentido. Temos necessidade de sentido.

O que nos mostra a filosofia desde os diálogos de Platão é o roubo, o rapto, a subtração do saber da escravidão pela operação do Amo que consistia em fazer um saber transmissível do escravo ao amo, até chegar a uma empresa maior em beneficio do amo, como pretendia Hegel com o que ele chamava de Saber Absoluto.

A este respeito, a idéia do absoluto ou imaginária do todo, tal qual é proporcionada pelo corpo, é algo que se sustém na boa forma da satisfação e constitui no limite uma forma esférica. Esta mesma forma esférica nos dá a idéia do encerro e da clausura da satisfação procurada no absoluto ou no todo. A totalidade paralisante onde nada mais se ambiciona.

É contra isto que nós psicanalistas lutamos, contra a paralisia que produz a falta de um desejo.

Por este repasse de saber do escravo o amo moderno não tem mais a estrutura do antigo. O amo moderno não é nada mais que saber, ou seja burocracia. O amo moderno para Lacan é o capitalista que frustra de seu saber ao escravo voltando-o inútil. Mais o que se dá ao escravo em troca, numa espécie de subversão, é outra coisa, um saber de amo. Por isto é que historicamente não temos feito outra coisa mais que mudar de amo. Porém o que fica no amo moderno é a essência do amo, ou seja, não sabe o que quer. É isto o que constitui a verdadeira essência do discurso do Amo pelo qual para Lacan este é o discurso do inconsciente onde o sujeito se perde, não sabe o que quer, não sabe de seu desejo.

O escravo sabe de muitas coisas, porém o que sabe mais ainda é que ele quer ao amo, mesmo que este não o saiba – o que costuma acontecer – de outro modo não seria amo. O escravo o sabe e esta é sua função como escravo. Por isso é que a coisa funciona faz muito tempo. Na relação entre o amo moderno e o escravo moderno o que substitui agora ao escravo antigo é ele mesmo como produto, tão consumível como os outros; como se diz agora temos o material humano formando parte da sociedade de consumo.

Estamos alienados agora e antigamente por sermos falantes. Alienados num discurso que nos condiciona sem que o saibamos. Este discurso que herdamos da família humana é o que praticamos no dia a dia, com o qual vemos o mundo e dele fazemos imagens plenas de sentidos. Uma ficção rígida onde, com as pretendidas revoluções sociais, só conseguimos trocar os nomes dos amos para manter um goze obscuro, um caminho à morte que não é outra coisa mais que o que chamamos de "gozo", tendência a voltar ao inanimado que se faz presente numa experiência de discurso como a prática analítica. É nesta experiência onde podemos tomar em conta o estatuto do discurso. Estatuto também no sentido jurídico do termo, posto que é no direito onde nos apercebemos de que modo o discurso estrutura o mundo real.

Num certo momento da humanidade a medicina nasce quando alguém assumiu a dor do outro e se ofereceu para aliviá-la. Nesta época a medicina opera cada vez mais de forma veterinária tratando somente as doenças e os corpos, sem escutar aos doentes.

Com a psicanálise se abre outro campo de tratamento onde os remédios cedem seu lugar à palavra.

Uma análise é uma prática onde propomos aos pacientes uma revisão do discurso do inconsciente, da revisão do discurso que nos faz seres falantes, para encontrar-nos com outro discurso que nos permita colocar em curso o desejo de saber.

É esta prática que se constitui no miolo da experiência analítica quando se pede ao paciente que abandone toda referencia mais além das quatro paredes que lhe rodeiam e produza palavras, significantes, que constituem a associação livre mediante o qual outorgamos um saber não sabido por esse que nos fala e colocamos em jogo que esse saber não sabido é o que trabalha verdadeiramente.

Mais esta via pode levar-nos ainda a uma acumulação de saber e construirmos com ela uma pequena enciclopédia sobre o que nos afeta. É aqui o momento no qual uma vez mais o analista é convocado para com seu ato recolocar agora um outro tipo de saber articulado à verdade como enígma. Um saber em tanto verdade é propriamente o que deve ser a estrutura do que chamamos a interpretação. Um saber complexo, um saber do nosso complexo de Édipo, um saber construído sobre a forma singular de inserir-nos na língua, lugar onde praticamos o incesto e o desejo de morte inconscientes, um saber sobre a nossa verdade singular que nos permita orientar-nos nos trilhos do nosso desejo.

O que eu disse no começo sobre a criança – que era um objeto caído do corpo materno e de sua condição de sujeito por vir -, e o que estive desenvolvendo nestes breves minutos me permite situar agora à criatura humana como alguém que morando primeiramente na moradia do desejo do outro, precisa alojar-se em seu desejo o qual implica: passar de ser habitada pela linguagem a habitar nela fazendo laços de discurso.

Como disse Lacan: ...o inconsciente é o discurso do outro. Este discurso do outro não é o discurso do outro em abstrato, do meu correspondente, nem sequer simplesmente do meu escravo: é o discurso do circuito no qual estou integrado. Sou um entre seus elos. É o discurso do meu pai, por exemplo, em tanto que meu pai há cometido faltas que estou absolutamente condenado a reproduzir: o que chamam super eu. Estou condenado a reproduzi-las porque é preciso que retome o discurso que ele me legou, não simplesmente porque sou seu filho, senão porque a corrente do discurso não é coisa que alguém possa deter, e eu estou precisamente encarregado de transmiti-lo na sua forma aberrante a algum outro. Tenho que colocar a algum outro o problema de uma situação vital com a qual muito possivelmente ele vai bater de frente, de sorte tal que este discurso forma um pequeno circuito no qual ficam presos toda uma família, toda uma camarilha, todo um bando, toda uma nação ou a metade do globo. Forma circular de uma palavra que está justo no limite do sentido e do sem sentido, que é problemática.


Ricardo Eduardo Delfino. Psicanalista.

PÁSSAROS



Já observou a atitude
dos pássaros ante às adversidades?

Ficam dias e dias fazendo seu ninho, recolhendo materiais, às vezes trazidos de locais distantes...

... E quando já ele está pronto e estão preparados para por os ovos, as inclemências do tempo ou a ação do ser humano ou de algum animal destrói o que com tanto esforço se consegui...

O que faz o pássaro?
Pára, abandona a tarefa?
De maneira nenhuma. Começa, uma outra vez, até que no ninho apareçam os primeiros ovos.
Muitas vezes, antes que nasçam os filhotes, um animal, uma criança, uma tormenta, volta a destruir o ninho, mas agora com seu precioso conteúdo...

Dói recomeçar do zero... Mas ainda assim o pássaro jamais emudece, nem retrocede, segue cantando e construindo, construindo e cantando...

Já sentiu que sua vida, seu trabalho, sua família, seus amigos não são o que você sonhou?

Tem vontade de dizer basta, não vale a pena o esforço, isto é demasiado para mim?
Você está cansado de recomeçar, do desgaste da luta diária, da confiança traída, das metas não alcançadas quando estava a ponto de conseguir?

Mesmo que a vida o golpeie mais uma vez, não se entregue nunca, faça uma oração, ponha sua esperança na frente e avance. Não se preocupe se na batalha seja ferido, é esperado que algo assim aconteça. Junte os pedaços de sua esperança, arme-a de novo e volte a ir em frente.

Não importa o que você passe...
Não desanime, siga adiante.
A vida é um desafio constante, mas vale a pena aceitá-lo. E sobretudo...
Nunca deixe de cantar.


Anônimo.

SABEDORIA I, III



Que dizes, viajante, de estações, países?
Colheste ao menos tédio, já que está maduro,
Tu, que vejo a fumar charutos infelizes,
Projectando uma sombra absurda contra o muro?

Também o olhar está morto desde as aventuras,
Tens sempre a mesma cara e teu luto é igual:
Como através dos mastros se vislumbra a lua,
Como o antigo mar sob o mais jovem sol,

Ou como um cemitério de túmulos recentes.
Mas fala-nos, vá lá, de histórias pressentidas,
Dessas desilusões choradas plas correntes,
Dos nojos como insípidos recém-nascidos.

Fala da luz de gás, das mulheres, do infinito
Horror do mal, do feio em todos os caminhos
E fala-nos do Amor e também da Política
Com o sangue desonrado em mãos sujas de tinta.

E sobretudo não te esqueças de ti mesmo,
Arrastando a fraqueza e a simplicidade
Em lugares onde há lutas e amores, a esmo,
De maneira tão triste e louca, na verdade!

Foi já bem castigada essa inocência grave?
Que achas? É duro o homem; e a mulher? E os choros,
Quem os bebeu? E que alma capaz de os contar
Consola isso a que podes chamar tuas dores?

Ah, os outros, ah, tu! Crendo em vãos lisonjeios,
Tu que sonhavas (e era também demasiado)
Com uma qualquer morte suave e ligeira!
Ah, tu, que espécie de anjo sempre amedrontado!

Mas que intenções, que planos? Terás energia
Ou o choro destemperou esse teu coração?
A julgar pela casca, é uma árvore macia
E os teus ares não parecem de vencedor, não.

Tão desastrado ainda! e com a agravante inútil
De seres cada vez mais um sonolento idílico
A fitar pla janela o céu sempre tão estúpido
Sob o astuto olhar do diabo do meio-dia.

Sempre o mesmo na tua extrema decadência!
Ah! — Mas no teu lugar, e assumindo as culpas,
Um ser sensato quer impor outra cadência
Com o risco de alarmar um pouco os transeuntes.

Não terás, vasculhando os recantos da alma,
Um vício pra mostrar, qual sabre à luz do dia,
Algum vício risonho, descarado, que arda
E vibre, dardejante, sob o céu carmim?

Um ou mais? Se os tiveres, será melhor! E parte
Prà guerra e briga a torto e a direito, sem
Escolher ninguém e enverga a indolente máscara
Do ódio insaciado, mas farto também...

Não devemos ser tansos neste alegre mundo
Onde a felicidade não é saborosa
Se nela não vibrar algo perverso, imundo,
E quem não quer ser tanso tem de ser maldoso.

— Sabedoria humana, eu ligo a outras coisas
E, de entre esse passado de que descrevias
O tédio, em conselhos ainda mais penosos,
Só consigo lembrar-me, hoje, do mal que fiz.

Em todos os estranhos passos desta vida,
Dos lugares e dos tempos, ou também dos meus
«Azares», de mim, dos outros, da estrada seguida,
Sempre retive apenas a graça de Deus.

Se me sinto punido, é porque o devo ser.
O homem e a mulher não estão aqui em vão.
Mas espero que um dia possa conhecer
O perdão e a paz que aguardam os cristãos.

É bom não sermos tansos neste mundo efémero,
Mas pra que o não sejamos na eternidade,
O que é mais necessário que reine e governe
Nunca é a maldade, mas sim a bondade.


Paul Verlaine.

AOS INVEJOSOS



O ciúme tem algumas diferenças e algumas semelhanças com relação à inveja.

Enquanto o ciúme é baseado no medo da perda, seja a perda de atenção, pessoas, poder ou admiração. O fato é, que o medo da perda, é o grande sentimento motivador para a pessoa possessa de ciúme agir loucamente em suas sandices. O medo da perda, portanto, denuncia a fraqueza do ser humano.

Já a inveja, é bem mais sórdida, é bem mais ardilosa e negativa...
Pior do que uma fraqueza, é uma possessão psíquica maligna, é a filha mais poderosa da ira.

A intenção matriz do invejoso não é o medo da perda de algo substancial pra sua vida, como no caso do ciúme.

O primeiro motor do invejoso é exatamente a falta de conteúdo substancial em si mesmo. Ele é fruto de uma estima baixa, é filho de uma auto-imagem deformada, negativa. É a “corporificação” da presença da ausência...

Ele encontra o que falta em si em outras pessoas e passa a invejá-las.
O exemplo clássico é a história infantil da branca de neve:

“Espelho, espelho meu tem alguém mais...do que eu?

A realização pessoal de uma pessoa qualquer, a felicidade verdadeira de alguém, faz tão mal, gera tanto mal estar ao invejoso, justamente porque as virtudes naturais de outrem deflagram as suas doenças internas mais íntimas. Suas carências e complexos mais exacerbados só são expostos no comparativo com a saúde.

É aquela velha história,

A cobra encurralou o vaga-lume na floresta e disse:
__Eu vou te matar!!! O Vaga-lume prontamente respondeu:
__Mas cascavel, o que foi que eu te fiz? Não te fiz nada...
E logo a cobra respondeu:
__Vc não precisa fazer nada. Seu brilho me incomoda.

Por isso não é difícil concluir que os invejosos, aqueles que são possuídos pela inveja, se reconhecem ao primeiro olhar, a primeira conversa.

Esse reconhecimento é tamanho que quando dois estranhos, infelizes e invejosos ao se encontrarem, sem nunca terem convivido antes se reconhecem. A compatibilidade é expressa imediatamente, a empatia é tanta que parecem que são irmãos de vidas passadas.

Posto isto,
Há um fenômeno que ocorre na internet. Não é novidade pra ninguém que os iguais se unem, traçam laços de amizade entre si.

Hoje os invejosos andam aos bandos nas comunidades da internet.
E logo não é difícil concluir que as expressões de invejas se tornam coletivas...
Tornam-se covardes.

Os invejosos na internet são semelhantes aos peixes conhecidos comumente como peixe piranha.

O peixe piranha tem a característica de só atacar suas presas em bando. Jamais o ataque é individual, jamais é um duelo franco, aberto e com iguais condições...geralmente a maior característica desse espécie é a covardia. Atacam as vitimas quando elas apresentam feridas e quando elas são infinitamente em maior número do que suas presas.

Os invejosos na rede agem da mesma forma.
Buscam a covardia. Procuram estar dez, vinte vezes em maior número pra tentar destruir aqueles que possuem luz própria, e que de maneira nenhuma fez nada de mal pra ninguém.



FlavioFerr.

O TONEL DO RANCOR - repostagem



O Rancor é o tonel das Danaidas alvíssimas;
A Vingança, febril, grandes olhos absortos,
procura em vão encher-lhes as trevas profundíssimas,
Constante, a despejar pranto e sangue de mortos.

O Diabo faz-lhe abrir uns furos misteriosos
Por onde se estravasa o líquido em tropel;
Mil anos de labor, de esforços fatigosos,
Tudo seria vão para encher o tonel.

O Rancor é qual ébrido em sórdida taverna,
Que quanto mais bebeu inda mais sede tem,
Vendo-a multiplicar como a hidra de Lerna.

- Mas se o ébrio feliz sabe com quem se avém,
O Rancor, por seu mal, não logra conseguir,
Qual torvo beberrão, acabar por dormir.


Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal" .

SOBRE HUMILHAÇÃO



Durante uma vida a gente é capaz de sentir de tudo, são inúmeras as sensações que nos invadem, e delas a arte igualmente já se serviu com fartura. Paixão, saudades, culpa, dor-de-cotovelo, remorso, excitação, otimismo, desejo – sabemos reconhecer cada uma destas alegrias e tristezas, não há muita novidade, já vivenciamos um pouco de cada coisa, e o que não foi vivenciado foi ao menos testemunhado através de filmes, novelas, letras de música.

Há um sentimento, no entanto, que não aparece muito, não protagoniza cenas de cinema nem vira versos com freqüência, e quando a gente sente na própria pele, é como se fosse uma visita incômoda. De humilhação que falo.

Há muitas maneiras de uma pessoa se sentir humilhada. A mais comum é aquela em que alguém nos menospreza diretamente, nos reduz, nos coloca no nosso devido lugar - que lugar é este que não permite movimento, travessia?. Geralmente são opressões hierárquicas: patrão-empregado, professor-aluno, adulto-criança. Respeitamos a hierarquia, mas não engolimos a soberba alheia, e este tipo de humilhação só não causa maior estrago porque sabemos que ele é fruto da arrogância, e os arrogantes nada mais são do que pessoas com complexo de inferioridade. Humilham para não se sentirem humilhados.

Mas e quando a humilhação não é fruto da hierarquia, mas de algo muito maior e mais massacrante: o desconhecimento sobre nós mesmos? Tentamos superar uma dor antiga e não conseguimos. Procuramos ficar amigos de quem já amamos e caímos em velhas ciladas armadas pelo coração. Oferecemos nosso corpo e nosso carinho para quem já não precisa nem de um nem de outro. Motivos nobres, mas os resultados são vexatórios.

Nesses casos, não houve maldade, ninguém pretendeu nos desdenhar. Estivemos apenas enfrentando o desconhecido: nós mesmos, nossas fraquezas, nossas emoções mais escondidas, aquelas que julgávamos superadas, para sempre adormecidas, mas que de vez em quando acordam para, impiedosas, nos colocar em nosso devido lugar.


Martha Medeiros .