26 de junho de 2006

SOBRE ESTAS DURAS, CAVERNOSAS FRAGAS,



Sobre estas duras, cavernosas fragas,
Que o marinho furor vai carcomendo,
Me estão negras paixões n'alma fervendo
Como fervem no pego as crespas vagas:
Razão feroz, o coração me indagas,
De meus erros a sombra esclarecendo,
E vás nele (ai de mim!) palpando e vendo
De agudas ânsias venenosas chagas:
Cego a meus males, surdo a teu reclamo,
Mil objetos de horror co'a idéia eu corro,
Solto gemidos, lágrimas derramo:
Razão, de que me serve o teu socorro?
Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo;
Dizes-me que sossegue, eu peno, eu morro.
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Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:
Dido foi puta, e puta d'um soldado;
Cleopatra por puta alcança a c'rôa;
Tu, Lucrécia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:
Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que inda hà pouco morreu (dia a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:
Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiques pois, oh Nise, duvidosa
Que isto de virgo e honra é tudo peta.
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Bocage.
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