16 de junho de 2008

CANÇÃO DA TORRE MAIS ALTA



Ociosa juventude
De tudo pervertida
Por minha virtude
Eu perdi a vida.
Ah! Que venha a hora
Que as almas enamora.

Eu disse a mim: cessa,
Que eu não te veja:
Nenhuma promessa
De rara beleza.
E vá sem martírio
Ao doce exílio.

Foi tão longa a espera
Que eu não olvido.
O terror, fera,
Aos céus dedico.
E uma sede estranha
Corrói-me as entranhas.

Assim os Prados
Vastos, floridos
De mirra e nardo
Vão esquecidos
Na viagem tosca
De cem feias moscas.

Ah! A viuvagem
Sem quem as ame
Só têm a imagem
Da Notre-Dame!
Será a prece pia
À Virgem Maria?

Ociosa juventude
De tudo pervertida
Por minha virtude
Eu perdi a vida.
Ah! Que venha a hora
Que as almas enamora!


Arthur Rimbaud.

EUTANÁSIA



Ergue-te daí, velho! ergue essa fronte onde o passado afundou suas rugas como o vendaval no Oceano, onde a morte assombrou sua palidez como na face do cadáver, onde o simoun do tempo ressicou os anéis louros do mancebo nas cãs alvacentas de ancião?

Por que tão lívido, ó monge taciturno, debruças a cabeça macilenta no peito que é murcho, onde mal bate o coração sobre a cogula negra do asceta?

Escuta: a lua ergueu-se hoje mais prateada nos céus cor-de-rosa do verão, as montanhas se azulam no crepuscular da tarde e o mar cintila seu manto azul palhetado de aljôfares. A hora da tarde é bela, quem aí na vida lhe não sagrou uma lágrima de saudade?

Tens os olhares turvos, luzem-te baços os olhos negros nas pálpebras roxas e o beijo frio da doença te azulou nos lábios a tinta do moribundo. E por que te abismas em fantasias profundas, sentado à borda de um fosso aberto, sentado na pedra de um túmulo?

Por que pensá-la... a noite dos mortos, fria e trevosa como os ventos de inverno? Por que antes não banhas tua fronte nas virações da infância, nos sonhos de moço? Sob essa estamenha não arfa um coração que palpitara outrora por uns olhos gázeos de mulher?

Sonha!... sonha antes no passado, no passado belo e doirado em seu dossel de escarlate, em seus mares azuis, em suas luas límpidas e suas estrelas românticas.

O velho ergueu a cabeça. Era uma fronte larga e calva, umas faces contraídas e amarelentas, uns lábios secos, gretados, em que sobreaguava amargo sorriso, uns olhares onde a febre tresnoitava suas insônias...

E quem to disse — que a morte é a noite escura e fria, o leito de terra úmida, a podridão e o lodo? Quem to disse — que a morte não era mais bela que as flores sem cheiro da infância, que os perfumes peregrinos e sem flores da adolescência? Quem to disse — que a vida não é uma mentira? — que a morte não é o leito das trêmulas venturas?


Álvares de Azevedo.