12 de fevereiro de 2009

HARPA ESQUISITA



Dói-te a festa feliz da verdade da vida...
Tanges da harpa, em teu sonho, almas ou cordas, cantas,
Bóiam-te as notas no ar, a asa no Azul diluída
E, assombrados, reptis - homens, não! tu levantas!

E apupilam-te a fronte as mil pedras agudas
De ódios e ódios a olhar-te.... E és um rei que as avista,
No halo, de Amor, que tens! se em colar as transmudas,
Vais - um dervixe persa, o manto azul - Artista!

Inda olhar adormido abre, e é de ocre, e avermelha!...
Vem colar-te ao colar... e oh! tua harpa esquisita
Plange... flora a zumbir minúscula, que imita
A abelheira da Dor, em centelha e centelha.

E é a sombra... E o instrumento, a gemer, iluminado,
Como que à Noite estrela um núbio corvo... E lindo
(Inda que as asas tens não no terás ao lado)
Por que os pétalos d'ouro, a haste de prata, abrindo,
Um lírio de ouro se alça?... Os passos voam-te pelas
Ribas... Oh! que ilusões da flor, que tantaliza!
Sob a flor? Sobes tu e a alma nas pedras pisa?...
Pairas... Em frente, o mar, polvos de luz - estrelas...

Pairas... e o busto a arfar - longe, vela sem norte.
Negro o céu desestrela, o seio arqueando: escuta.
No amoroso oboé solfeja um vento forte
E, alta, em surdo ressôo, a onda betúmea e bruta.

A ânsia do mar, lá vem, esfrola-se na areia...
Seu líquido cachimbo é mágoa acesa, e fuma!
E chamas a onda: "irmã" . E em fósforo incendeia
Na praia a onda do mar, ri com dentes de espuma.

De ametista, em teu sonho, uma antiga cratera
Mal te embebe - alegria! - alvos dedos de frio,
Eis se te emperla o rosto e a prantear vês, sombrio,
A onda crescer, rajar-se em brutal besta-fera!

Olhas... E, soluçoso, à musica das mágoas
Amendulas o Mar e amendulas a Terra!
A sombra aclara.... E é ver a dança verde de águas
E arvoredos dançando ao coruto da serra!

Gemes, Dedando o Azul as magras mãos dos astros
Somem, luzindo.... Ao longe, esqueleta uma ruína
Em teu sonho a enervar, argentina, argentina...
De ilusões, no horizonte, ossos brancos... são mastros!

Quentes estrias à alma, à frialgem, nas cousas...
Que bom morrer! manhã, luz, remada sonora...
Pousas um dedo níveo às níveas cordas, pousas
E és náufrago de ti, a harpa caída, agora.

Ah! os homens percorre um frêmito. Num choro...
Move oceânica a espécie, amorosa, amorosa!
Mais que um dervixe, és deus, que morre, a irradiosa
Glorificação de ouro e o sol de ouro... à paz de ouro.


Pedro Kilkerry.

TORTURA ETERNA



Impotência cruel, ó vã tortura
Ó força inútil, ansiedade humana!
Ó circulos dantescos da loucura!
Ó luta, ó luta secular, insana!

Que tu não possas, alma soberana,
Perpetuamente refulgir na Altura,
Na Aleluia da Luz, na clara Hosana
Do Sol, cantar, imortalmente pura.

Que tu não possas, Sentimento ardente,
Viver, vibrar nos brilhos do ar fremente,
Por entre as chamas, os clarões supernos.


Cruz e Souza.