18 de novembro de 2006

MURRO EM PONTA DE FACA



Eu até que nem gostava
De sair da minha casa
Mas quando eu menos esperava
Parece que criei asa
Errando de porto em porto
Sou ave de migração
Mala de mão, peso morto
Sou quilombola ou balão
Não sei se sou o inimigo
Ou do inimigo me escondo
Não sei se fujo ou persigo
Por esse enredo, enredo, redondo

Eu até que nem gostava
De sair da minha casa
Mas quando eu menos esperava
Parece que criei asa
Eu quero entrar num boteco
Me jogam num avião
Eu vou dormir em sueco
Me acordam em alemão
Não sei se espero ou se brigo
Não sei se calo ou respondo
Não sei se fujo ou persigo
Por esse enredo, enredo, redondo.


Chico Buarque.

QUANDO



Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.

Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.



Álvaro de Campos.